Foto: Manoel Dourado
Cornélio Pires foi quem melhor definiu o jeito caipira de ser. Levando em conta as origens, como o indígena brasileiro, a contribuição do negro trazido da África, a combinação com a cultura européia, especialmente a portuguesa e depois a italiana, tudo isso acabou por formar a amálgama cultural específica do povo brasileiro: na culinária, na arte, na dança, na música e claro, no vocabulário rico e despojado à margem da língua oficial, a portuguesa.
A origem do termo remete-nos a pensar o caipira como o homem do mato, do campo, arredio e avesso ao progresso. Mas os tempos mudam, e lá está o caipira disputando espaços nas cidades; nas fábricas, no comércio e nas universidades, revelando sua competência. Quando precisam cumprir as convenções sociais, abraçam as etiquetas com fino rigor, tão fino que às vezes é impossível não imprimir certa dose de exagero, o que acaba por denunciar suas origens.
Sossego e fartura, eis o que o caipira mais almeja. Mas se for necessário entrar na correria por uma causa justa, ele está pronto. Pode ser, mas, melhor não. Após cumprir suas obrigações para com a sociedade, volta ao acalento de suas raízes.
Para o caipira, a vida precisa ser saboreada em seus mínimos detalhes: na prosa boa e demorada com seus interlocutores, no apreciar dos elementos da natureza que lhes passam às vistas, no degustar da velha e boa comida feita com a mesma e tradicional receita, no apego às velhas fórmulas para resolver velhos e novos problemas e, claro, festas, porque ninguém é de ferro.
O caipira não troca o certo pelo duvidoso e desconfia muito das novas tecnologias, até que estas se revelem definitivamente indispensáveis. Sem pretensão de santidade, mostra-se extremamente apegado aos aspectos de sua religiosidade. Sem ser revolucionário, tem sempre um deboche na ponta da língua quando o assunto é política.
O zelo pelas tradições é outra característica do caipira. Não que viva apenas das glórias do passado ou tenha medo do futuro apegando-se nostalgicamente ao que não volta mais. Esta característica é uma sábia e providencial resposta de sua alma, sem a qual, as ameaças de massificações culturais estéreis ou tão somente mercantilista destruiriam o GENE DA CULTURA BRASILEIRA. Graças ao caipira, isto não vai acontecer!
Mas, a verdadeira marca do caipira é sua capacidade para simplificar. São os “ataios”, soluções indispensáveis para a manutenção de seu bem-estar, especialmente quanto à linguagem. Para quê gastar tanto esforço na pronúncia “eucalipto”, se basta dizer “calipe, acalipe, calipar”? O falar caipira revela, a despeito dos justos argumentos dos defensores da língua pura, apenas e tão somente o jeito mais fácil de se comunicar. Comunicação, por sinal, direta, objetiva e pessoal, porque certamente não existem meios mais eficazes para se transmitir uma mensagem, e isto o caipira sabe muito bem fazer.
Caipira é sinônimo de Brasil. Viva o caipira !
Orlando Batista dos Santos é estudioso do folclore e das manifestações populares de raízes caipiras. Autor do livro “Heróis Caipiras” e da peça de teatro ambiental “A guerra da Água”. Editor do site Caipira Literal e do blog Cultura Caipira. Escreve na comunidade virtual de escritores Usina de Letras.
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